Sete vidas

sobpoesia
2 min readJan 2, 2023

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Gatos tem sete vidas e eu assisti a cinco delas.

Quando encontrei o Pretinho, ele era apenas um filhote magrelo, assim como eu em meus 8 anos de idade. Ouvi um choro fraquinho no meu quintal e foi amor a primeira vista. O levei para dentro de casa e o deixei comer a comida e beber da água do cachorro, o coitado devorou tudo e fez uma grande bagunça. Miava ao mastigar e engolir. Em um gesto de agradecimento, se pôs sentado a minha frente, com aquela postura felina retinha, lambeu sua patinha direita e a colocou no meu rosto — ou pelo menos tentou. De longe, meio de canto de porta, meu pai assistia e sabia, nossa família tinha crescido.

Lembro que já nas próximas semanas minha irmã esperneou, mesmo mais velha ela fez uma birra de criança por que queria um gatinho. Ela queria muito o que eu e Pretinho tínhamos, a cumplicidade, o estar sempre lado a lado, o amor de dormir juntinho e a companhia de um sereno felino. O Rocambole, porém, não era uma alma em paz e veio para desequilibrar nossa vida: ele pulava nas paredes, jogava todos os nossos enfeites no chão, destruía os brinquedos e arranjava brigas com o cachorro, além do seu constante miado gritado e desafinado; pensando bem, ele era bem parecido com minha irmã.

Esse caos de Rocambole foi o que levou ao fim de Pretinho e ao meu primeiro contato com a morte alguns anos para frente. O imparável gato da minha irmã abriu a porta da frente que foi acidentalmente deixada destrancada enquanto íamos para escola; eu vi minha metade felina correr atrás do carro com uma rapidez digna de guepardo, mas o carro atrás do nosso não viu.

Acho que fiquei três meses sem falar com minha irmã, ainda que não fosse culpa dela. Mas um dia, junto da minha mãe, apareceu com uma bolinha peluda e laranja em minha frente: “O gato da Carla deu cria, esse aqui é seu”, elas o colocaram no meu colo. E eu chorei mais: “Não quero esse, eu quero o meu Pretinho”. E como mágica o gato sentou, naquela postura retinha, miou bem alto para ter a minha atenção, lambeu a patinha direita e — tentou — a colocar em meu rosto. Minha mãe colocou a mão no meu ombro e suspirou: “O seu Pretinho voltou pra você”.

E voltou mesmo. Voltou no Chico, no Lionel, na Magali e na Chiara, sempre com o mesmo sinal, o mesmo miado, a mesma postura, e a lambida na pata direita.

Tem amores que nem a morte separa.

-sbps.

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sobpoesia

Mãe de pet, de 11 pets. Escritora não publicada. Poetiza de todas as dores. Cega para felicidades.